quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Gostaria de começar pelo fim deste “Cosmos” pois este último parágrafo foi o primeiro que li. Termina assim:


«Somos a encarnação local de um Cosmos que toma consciência de si-próprio. Começamos a contemplar as nossas origens: pó de estrelas meditando acerca das estrelas; ajuntamentos organizados de dez mil biliões de biliões de átomos analisando a evolução do átomo; descobrindo a longa caminhada que, pelo menos para nós, levou ao aparecimento da consciência. Devemos a nossa lealdade às espécies e ao nosso planeta. Somos nós que nos responsabilizamos pela Terra. Devemos a nossa obrigação de sobreviver não a nós próprios, mas ao Cosmos, vasto e antigo, de onde despontámos.»




E o que entendemos por “Cosmos”?
Segundo o Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa (“Publicações Alfa” 1982) Cosmos significa o «Conjunto de todas as coisas existentes. Este conjunto considerado como um todo ordenado, em oposição ao caos.»



E o que podemos entender por “caos”?
Consultando o mesmo dicionário podemos ler que caos é a «mistura geral dos elementos antes da sua separação e arrumação para a formação do Universo. Confusão, balbúrdia, mistura desordenada; desarrumação.»



Para Carl Sagan, Cosmos é simplesmente «tudo o que existe, existiu ou existirá» onde a sua «(…) mais insignificante contemplação emociona-nos.» e, neste sentido, o próprio caos faz parte do Cosmos.
Na atitude mais simples, com o Cosmos de Carl Sagan, sentimo-nos parte do Universo. Se pretendermos fazer um bolo juntamos os ingredientes, farinha, ovos, leite, açúcar, etc., mas, se pretendermos fazer um bolo desde o início precisamos primeiro inventar o Universo; precisamos recuar mais ou menos 15 mil milhões de anos até esse momento a que chamamos Big Bang.





Foi nesse instante, por razões que ainda desconhecemos, que tudo surgiu, a matéria, o espaço e o tempo. Houve essa enorme explosão de energia e o Universo começa-se a expandir e, conforme se vai expandindo vai arrefecendo como nós arrefecemos quando nos afastamos de uma fogueira. Com esse arrefecimento a energia vai se condensando e surgem as primeiras partículas, que foram chamadas de quarks; mais ou menos na mesma altura formam-se os electrões. Continuando a expansão, devido à explosão, continua o arrefecimento do Universo e os quarks vão diminuindo a sua agitação e vão passando mais tempo nas proximidades de outros quarks e aí alguns se juntam formando novas partículas, os protões e os neutrões. Continuando a expansão, continua o arrefecimento, o que permite que os protões e os neutrões se possam associar, formando partículas maiores. E, estas partículas atraem os electrões, formando o que hoje chamamos átomos. O Cosmos possui, pelo que sabemos, 92 tipos de átomos diferentes. A diferença entre eles está no número de protões que se associaram. A estes conjuntos de átomos com o mesmo número de protões chamamos hoje elementos químicos. Houve regiões do Universo que arrefeceram mais depressa dando depois origem ao que chamamos planetas e houve outras regiões que não arrefeceram tanto e aí apareceram o que chamamos estrelas. E estas, por sua vez, se tornaram focos de emissão de energia.

Paulo Morgado


[Elsa Vaz Vieira]

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Foi com a Biblioteca repleta de uma assistência entusiasmada que se inauguraram as Leituras Multidisciplinares-Tertúlias na Biblioteca da Escola Secundária de S. Pedro da Cova. O orador convidado não poderia ter sido melhor escolhido: o professor Paulo Morgado contagia sempre quem o escuta, é impossível ficar indiferente à paixão com que ensina e partilha conhecimentos. Falou não apenas das suas leituras do Cosmos, de Carl Sagan, e da forma como influenciaram não apenas a sua formação profissional, mas sobretudo a sua visão do mundo e da humanidade, mas também da obra de Bento Jesus Caraça, matemático português que viveu na primeira metade do século XX e que dedicou parte da sua vida à defesa do direito à cultura para todos e não apenas para uma elite.


«A leitura deste livro [Cosmos, Carl Sagan] teve importância na minha construção profissional pela firmeza das suas convicções, pela tolerância com que apresenta o conhecimento, pelo profundo respeito que transmite por ideias diferentes, pela inabalável confiança nas capacidades da espécie humana e pela abertura do espírito para outras leituras»

[A Biblioteca/CRE não pode deixar de expressar o seu agradecimento à professora Lurdes Marques, pela contribuição dada para concretização desta Tertúlia, bem como a todos os que agraciaram com a sua presença esta iniciativa conjunta da Biblioteca/CRE e da Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova]

Elsa Vaz Vieira

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Tertúlias na Biblioteca


É já hoje, pelas 18h30, que a Biblioteca Escolar/CRE, em colaboração com a Junta de Freguesia de S. Pedro da Cova, iniciará as suas Leituras Disciplinares - Tertúlias na Biblioteca da Escola Secundária de S. Pedro da Cova. A sessão será animada pelo professor Paulo Morgado, que apresentará Cosmos, de Carl Sagan, e aberta a toda a comunidade educativa.


Elsa Vaz Vieira

UM MONUMENTO DE PALAVRAS

As bibliotecas são lugares onde as palavras repousam dentro dos livros, à espera de serem acordadas e ganharem vida; os poetas, os criadores de sentidos por excelência, cabendo a cada um de nós, leitores, reconstruir o que lemos. Mas o que pensam os poetas das palavras que criam e recriam?




Testamento

Que fique só da minha vida
um monumento de palavras
Mas não de prata Nem de cinza
Antes de lava Antes de nada
Daquele nada que se aviva
quando se arrisca uma viagem
por entre os pântanos da ira
além do sol das barricadas
Ou quando um poço que cintila
parece o tecto de uma sala
Ou quando importa que se extinga
dentro de nós a inexacta
irradiação que vem das criptas
em que o azul nos sobressalta
em que à penumbra se diria
que se acrescenta o som das harpas
Ou quando a terra não expira
senão segredos feitos de água
Ou quando a morte nos avisa
Ou quando a vida nos agarra

Adeus ó pombas onças víboras
todas iguais ante as muralhas
Adeus veredas invisíveis
que na floresta nos aguardam
Adeus ó barcos à deriva
Adeus canais Adeus guitarras
Adeus ó sílabas da brisa
Adeus sibilas ninfas cabras
tantas que a Deus se prometiam
mas só adeuses encontravam
Adeus ó deusas de partida
no meu minuto de chegada
Adeus ardentes evasivas
a ver se um pouco as demorava
Se as demorava ou demovia
de tão depressa me deixarem
Adeus ó portas clandestinas
que ao fim da tarde se entreabrem
Adeus adeus íntimas vítimas
das cerimónias implacáveis

Como deixar-vos todavia
se as vossas mãos as vossas faces
ora parecem despedir-me
ora conseguem renovar-me
E tantas tantas tantas ilhas
no mar que não nos limitasse
Como deixar-vos se na linha
deste horizonte aquela praia
tão de repente se aproxima
tão de repente se me escapa
Jorram vulcânicas as crinas
de récuas de éguas subaquáticas
Jorram do fundo E à superfície
crescem as ilhas assombradas
Eis que de longe lembram liras
mas entre as ondas só navalhas
É quando o poeta menos grita
que mais se crê nas suas lágrimas
Fique porém de quanto sinta
um monumento de palavras

Mas não de bronze Nem de argila
E nem de cinza nem de mármore
De fumo sim Do que se infiltra
no coração das velhas máquinas
no estertor dos suicidas
no riso triste dos apátridas
no ondular das gelosias
de onde se espia a madrugada
Do fumo enfim que se eterniza
na longa insónia das estátuas
E que de nós a alma extirpa
não nos deixando nem a máscara
quando é só corpo o que nos fica
para morrer às mãos dos bárbaros
E que nos conta só mentiras
E nos aceita só verdades
Múltiplas ágeis infinitas
sejam as linhas que ele trace
como as que traça a própria vida
sem liberdade em liberdade

Adeus ó fogo Adeus raízes
que todo o fumo alimentavam
E adeus o mel Adeus urtigas
da minha terra calcinada
Adeus cortiço Adeus cortiça
Ó madrugadas inflamáveis
Já se nem sabe a que sevícias
é que por fim a boca sabe
Nem qual a sombra que improvisa
esta sonâmbula sonata
que apazigua que arrepia
que nos destrói que nos exalta
Nem qual o crime inda mais crime
se acaso chega a desvendar-se
Adeus adeus eterna esfinge
Adeus Não penses que me ultrajas
E lembro tudo o que era simples
antes do nada inevitável
Mas que do nada ao menos fique
um monumento de palavras

David Mourão-Ferreira
Obra Poética, Lisboa, Editorial Presença, 1988, 1º edição


Elsa Vaz Vieira